15/03/2018 - 07:24 - Política
Casa de Nisreen
Há 5 anos, Nisreen* teve que adaptar sua vida à falta de eletricidade e gás, porque o regime de Bashar al-Assad cortou o fornecimento ao cercar a região de Guta Oriental. Também passou a viver em alerta, para se proteger de bombardeios que poderiam ocorrer no seu trajeto percorrido à pé à mesquita ou à escola em que trabalhava. Há pouco menos de um mês, os ataques se intensificaram a tal ponto que teve de largar o trabalho e passar boa parte do dia em um porão com familiares e vizinhos. Há três semanas, sua casa foi totalmente destruída.
Nisreen tem 38 anos e é moradora de Duma, a maior cidade de Guta Oriental. A região que fica nos subúrbios de Damasco é um dos últimos redutos de rebeldes da Síria que lutam contra as forças de Assad. Em três semanas de intensos bombardeios com apoio da Rússia, mais de mil civis morreram. Em todo o país, a guerra civil, que completa 7 anos nesta quinta-feira (15), deixou 500 mil mortos, segundo o recente balanço do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
Formada em arquitetura pela Universidade de Damasco, Nisreen não conseguiu seguir carreira por causa da guerra. Passou a dar aulas em uma escola para ajudar as crianças da sua cidade. Hoje tenta continuar com as aulas no porão.
“Não conseguimos usar as escolas porque elas são bombardeadas o dia todo. Nós usamos os porões. Não temos livros escolares porque o regime impediu que eles entrassem em Guta durante o cerco. Na maior parte do tempo, dependemos das organizações para nos trazer alguns desses instrumentos para o processo educacional”, diz ao G1.
Grande parte dos 400 mil civis que estão sitiados em toda Guta Oriental usam o subsolo de prédios que não foram destruídos para se proteger dos ataques aéreos. O porão em que Nisreen se esconde em média 20 horas ao dia tem cerca de 300m2 e abriga por volta de 150 pessoas, sendo 70 crianças. Nele, não há ventilação nem luz natural.
Apesar de a ONU ter aprovado um cessar-fogo para a região, ele não foi colocado em prática. Nem mesmo durante as cinco horas diárias, que os russos se comprometeram a respeitar, a trégua humanitária funcionou. A Rússia culpa os rebeldes.
A guerra teve início com protestos inspirados pelas revoluções da Primavera Árabe, reagindo à prisão e tortura de dois adolescentes que tinham grafitado o muro de uma escola. Com caráter pacífico, os protestos reivindicavam mais democracia e liberdades individuais. Com a repressão violenta das forças de segurança, os protestos foram se espalhando pelo país e se transformando em uma revolta armada de vários grupos com o objetivo de derrubar o regime.
O recente relatório da comissão da ONU de investigação sobre a Síria denunciou que a violência
no país, em vez de diminuir, como se chegou a acreditar, voltou a aumentar. O relatório destacou violações cometidas por todas as partes envolvidas no conflito: as forças de Assad, a Rússia, a coalizão aérea liderada pelos EUA e os rebeldes.
Diante da violência sangrenta, Nisreen, que perdeu três primos em bombardeios, diz que nunca considerou deixar a Síria, nem Duma.
“Nosso país é lindo e estamos em uma guerra muito violenta, mas não estamos pensando em sair. Não quero ser uma refugiada em qualquer país. Eu prefiro morrer aqui do que sair do meu país”, diz.
Ela lembra que antes da guerra ia a parques, restaurantes, museus e teatros e lamenta que as crianças de hoje não tenham conhecido uma vida mais próspera. “Nossas crianças não conhecem os parques nem restaurantes. Não sabem o que é um micro-ondas, como funciona uma geladeira. Nossa infância foi feliz e a infância das nossas crianças hoje é miserável”, diz.
“Não sei quando [a guerra] vai acabar ou se ainda vai acabar. De qualquer jeito, ainda tenho esperança. Quero que a vida volte. Quero olhar nos olhos das crianças e ver felicidade, não medo”, afirma.
*A personagem pediu para ter seu nome verdadeiro trocado por medo das represálias.
g1
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