A guerra da vacina

10/09/2020 - 07:22 - Opinião

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A guerra da vacina

 

Por: João Vicente Machado

 

O grande filósofo e pensador alemão Karl Marx, cunhou uma frase antológica no seu livro Dezoito Brumário de Louis Bonaparte lançado em 1851/1852 e num trecho do livro ele tratava da repetição de fatos históricos, afirmando  mais ou menos o seguinte:

“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

     O Brasil viveu a primeira revolta da vacina, ocorrida lá pelo início do século passado, mais precisamente entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, ocasião em que o Presidente da República era um paulista e  a bola da vez  da política do café com leite que era Rodrigues Alves. 

A imprensa oficial da época tachou a revolta da vacina como ”a mais terrível das revoltas populares da República” e o exagero era até justificável considerando que a república era  infante e  imberbe, com apenas 13 anos de idade.  A Guerra  de Canudos, essa sim uma verdadeira guerra, havia findado a pouco tempo nos sertões da Bahia, embora remanescente do império que ainda chegou a alcançar a república.


Rodrigues Alves assumira em 1902 e tinha dois objetivos principais de governo: modernizar o porto e remodelar a cidade do Rio de Janeiro. 


  As oligarquias do café, então poder dominante à época, entendiam que as péssimas condições sanitárias do Rio de Janeiro eram óbice à atração de investimentos, de maquinaria e mão obra estrangeira e pressionavam fortemente o governo. Foi quando o presidente nomeou o engenheiro Pereira Passos como Prefeito do Rio de Janeiro e o médico sanitarista Oswaldo Cruz como Chefe da Diretoria de Saúde Pública, órgãos executores, e diretamente subordinados à Presidência da República e com poderes plenipotenciários.  


Que fique bem claro que a preocupação com as condições sanitárias do país, foi uma imposição econômica internacional o que fez a  potência econômica da vez, no caso  a Inglaterra, colocar o dedo na ferida e exigir providências do governo brasileiro. Para tanto ameaçou  o Brasil de boicote,  proibindo a  atracação de navios ingleses no porto do Rio, o que  liquidaria a exportação do que hoje chamamos de commodities,  sendo o café a estrela principal da constelação da pauta:

“São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá Samba”.

Av. Rio Branco(Rio de Janeiro) Foto de Marc Ferrez.

 

        

 

Castelo de Manguinhos, Sede da FIOCRUZ -https://pt.wikipedia.org/wiki/

 

  O navio contratorpedeiro italiano Lombardia, atracado no porto do Rio, perdeu 234 de seus 337 tripulantes, mortos por febre amarela.


  Oswaldo Cruz, que morava na época em Paris, foi trazido às pressas para deflagrar a campanha da vacina, visando salvar a economia.  O destino do povo era secundário, mas de qualquer forma seria beneficiário indireto e talvez pensando nisso Oswaldo Cruz incorporou  na  campanha outro cientista que foi  Carlos Chagas. 


Na nossa leitura pessoal, tanto Oswaldo como Carlos Chagas não eram movidos por ideologia política, mas tinham algo que falta a muitos profissionais de hoje: amor à ciência!


Quando começaram, tanto as obras de urbanização da Avenida Central hoje denominada Avenida Rio Branco, quanto à campanha de vacinação em massa, ensejaram o surgimento de focos de insatisfação que desencadeou a revolta.


No nono mês de trabalho e com a reforma urbana em pleno curso, já haviam sido derrubados 600 prédios e muitas casas para  a abertura  da avenida.


Enquanto isso, a campanha de Oswaldo Cruz contra a peste bubônica corria sem atropelos ao contrário das ações contra a  febre amarela que foi mais intensa e rigorosa, exigindo a invasão de domicílios para vencer a resistência popular, exigindo a interdição de prédios  e  até o despejo compulsório  de  moradores.  Muitos deles tiveram de ser internados à força para tratamento e convenhamos, esses métodos não eram aceitos  pacificamente pela população.


Vale lembrar que uma grande parte da população dos arredores era egressa da Bahia e vinha tangida da Guerra de Canudos com experiência  e forjados na  resistência e na luta. Ocuparam o morro da providência, que pela semelhança geográfica chamaram o morro da  favela e o nome pegou até hoje.


  Desesperados e sem informações, foram presas fáceis de grupos positivistas florianistas, além da ação aliciadora de conspiradores que transformaram o povo pobre e sofrido em massa de manobra para os seus propósitos e proveito.  


  Lauro Sodré, um militar e político paraense, liderou a revolta, articulando  apoio de parte  das forças armadas, onde o oficialato estava   interessado na derrubada do governo através de um golpe de estado. (o hábito golpista vem de longe)

 

  Os revoltosos conseguiram arregimentar cerca de 300 cadetes da academia militar de Realengo, marchando armados  em direção ao palácio do Catete para desfechar o golpe. 


    Segundo Cristovam, um colega que estudou comigo na FIOCRUZ e de quem eu ouvi muitas narrativas sobre esses e outros fatos da história do Rio, dos quais tinha conhecimento e que lhe eram íntimos, pelo fato de  ser  neto de um dos cadetes “revoltosos” presentes na  marcha. Além de Cristovam,  outro carioca consciente e culto chamado Alberto Najar, hoje professor da FIOCRUZ.  Com os dois passávamos os intervalos de aula a conversar e  foi quando tomei conhecimento do fato tragicômico da  epopeia vacinal, ocorrido em frente ao palácio do  Catete.


Segundo eles, a marcha foi se dissipando por falta de apoio popular, de modo que ao chegar em frente ao palácio, restavam uns 20 ou 30 cadetes  que   foram   presos e vacinados.


  As Forças Armadas sempre tiveram uma ala nacionalista, que mesmo ideologicamente conservadora, sempre manteve vivo o nacionalismo. Nesse caso evitaram um golpe oportunista dos que queriam transformar  a aventura vacinal em tragédia. 


Mutatis mutandis, vendo os fatos atuais sob o signo de Bolsonaro, assistimos a história se repetir como farsa e o dia 07 de setembro ser transformado numa apologia ao golpe de 1964 numa peça teatral ridícula.


  Em Primeiro ato a pantomima representada por Bolsonaro, sem máscara, à bordo do velho rolls royce presidencial superlotado, em meio a um grupo de crianças inocentes e desprotegidas, algumas com e  outras sem máscara.

 Desfile com crianças em carro aberto

       Outro ato dessa ópera bufa foi a imagem degradante de não mais do que três gatos pingados neopositivistas, exibindo faixas contrárias a uma vacina que sequer foi ainda lançada, sem outra motivação que não seja o coro de alinhamento “ao mito”, todos perdidos de faixa na mão, que acreditam no Fuhrer vencendo a seringa.

       

 

Manifestantes contra a vacina


 

     Outro ato deprimente da lavra dessa seita fascista foi a declaração sub-medíocre de Eduardo Bolsonaro, que assume a pose de ministro de estado e não de  um parlamentar. Diz ele:

     “Lembro-me a revolta da vacina (contra a varíola) sic em 1904 no Rio de Janeiro do prefeito Pereira Passos. Toma a vacina quem quiser, Isso é liberdade. Não é o papai Estado que vai te impor decisões sobre tua vida ( ao menos o Estado federal).


       A preocupação dele quando se refere ao “papai estado” é nítida e clara com os recursos orçamentários que a vacina irá exigir, e nunca com a saúde do povo.


     A narrativa pode até ter sido longa, mas foi necessária para demonstrar a história se repetindo como farsa na interpretação de atores sub-mediocres! 

   

Fontes: SUPERinteressante.super.com.abril.com.br;

www.otempo.com.br;narrativas de Cristovam e Alberto Najar