04/08/2019 - 19:53 - Opinião
Patos antigamente
A Câmara de Vereadores da cidade de Patos, Paraíba, reunida, esta semana, rejeitou um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que pedia a revogação da Lei Municipal nº 4.274: renomeando como Vidal de Negreiros a rua que passou a se chamar João Bosco de Araújo, desde 04 de novembro de 2013.
Gabriel Garcia Marques diz que nós somos verdadeiramente de um lugar se tivermos alguém que amamos enterrado lá. Assim, compreendi o trecho de “Cem anos de solidão.” Pois bem, Vidal de Negreiros (1620-1680) nasceu no Engenho São João, na província de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual cidade de João Pessoa; foi militar, líder na expulsão dos holandeses da Capitania de Pernambuco. Foi Governador das Capitanias de Pernambuco, Maranhão e do Grão-Pará. Foi também Capitão-Geral de Angola. João Bosco de Araújo foi um comerciante que viveu (e morreu) o tempo todo ali, na rua Vidal de Negreiros.
Meu avô é também uma rua, chama-se: rua Misael de Sousa e fica no jardim Guanabara. Meu avô foi prefeito de Patos por 17 dias quando do afastamento de Clóvis Sátiro em 15 de novembro de 1937 motivado pela implantação do Estado Novo; mas, em 02 de dezembro numa prova de resistência ao referido golpe, “Dr Clovis” foi renomeado prefeito pelo Interventor Argemiro de Figueiredo... - Assim diz a história política de Patos. Meu avô que já fora prefeito hoje é uma placa de rua... - E todas as ruas correm para dentro de nós até que venha o esquecimento.
"O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria: Como há muitos Severinos Com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria Do finado Zacarias. Mas isso ainda diz pouco: Há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo Senhor desta sesmaria (...)" [Trecho: Morte e vida Severina]
Observe: Pedro, Horácio, Epitácio, Bossuet, Anchieta, Emiliano, Santana, Zacarias, Zózimo, Antonio, Tirbutino, Titico, Leôncio, Nezinho, Juvenal, Carlota, Basta, Belarmino, Cândido, Paulo, Sebastião, Chiquinho, Terezinha, Crisanto, Elias, Elpídio, Euclides, Zezinho, Zito, Fenelon, Francisco, João, Joaquim, José, Maria, Felizardo, Manoel, Luis, Terto, Oscar, Benjamin, Rui, Deodoro, Felipe, Augusto, Assis, Luzia, Miguel, Palmeira, Solón, Duque, Ló, Peregrino, Tiradentes, Rio Branco, Laranjeiras, Prado, Alto,Casteliano, 18 do forte, 7 de setembro, 26 de julho, Panatis, Espinharas... São todos nomes de ruas. E as vezes as ruas são becos – intrincados - com seus alinhamentos desordenados; e essas definições ordinárias, são apenas para dizer que os becos também somos nós...
"Morrer tão completamente, que um dia ao lerem o teu nome num papel perguntem: - "Quem foi?..." Morrer mais completamente ainda, - Sem deixar sequer esse nome". (Manuel Bandeira)
Patos não é dos Pegas ou Panatis, dos Bandeirantes ou Tropeiros, não é dos Fazendeiros ou dos Algodoeiros nem dos Comerciantes ou Empreiteiros. não é dos Padres nem dos Bispos. não é de Frei Damião... - Patos não é da professorinha Antonieta, do Major Miguel Sátyro, de Nossa Senhora da Guia... - Patos não é de nenhum vereador. Não é de “Beatriz do apito”, não é de “Dr raiz”, de “Chico Marechel”, de “Assis doido”, de “açoite”, “Sinézio” ou “Tranca rua”... - Esses por aqui apenas passaram, “não sentiram o frio da desgraça.” Patos não é de Nabor, não é de Hugo Mota, não é de Francisca, não é e Dinaldo, não é de Dinaldinho, não é de Ivânio, não é de Geralda, não é de Rivaldo, não é de Edvaldo ou de Edmilson ou de Olavo. não é de Ernani ou de Múcio sátyro, não é de Cássio, Ricardo ou Maranhão...- Esses muito mais tiraram que botaram. Patos pertence a ninguém. E, se repararmos direito, nós é que pertencemos a ela. Particularmente, atesto que em cada paralelepípedo há um sem número de mim:
É ali a rua de meu primeiro beijo; acolá a rua onde nasci; aquela rua me viu menino; foi naquele trecho onde caí... e me ergui; era essa a rua que falava comigo; a rua que me ouvia era bem ali; essa era a rua que nunca dormia; por aqui passou o cortejo dos meus anos... e em todas elas: voar, voar. - Ao longo dessas ruas, portas e janelas - emoldurando os caminhos; e suas esquinas a zombar de tudo que há no mundo. O volume do rádio em toda altura; as traves de cipó; a bicicleta de campainha; os chinelos de borracha; o trote da égua nas caravanas de ciganos... - Imagens e sons da vida que pulsa e nos expulsa.
A rua é o rio Espinharas a rua é o cinema São Francisco a rua é a praça da babilônia a rua é o colégio Pedro Aleixo a rua é o campinho do ginásio a rua é a igreja da conceição a rua é a bodega de seu Milton a rua é a feira de fruta a rua é o trem da estação a rua é o que acredita ter descoberto Mario de Andrade que também deve ser uma rua agora:
"Na rua Aurora eu nasci; Na aurora de minha vida; E numa aurora cresci; No largo do Paiçandu [sic]; Sonhei, foi luta renhida; Fiquei pobre e me vi nu; Nesta Rua Lopes Chaves; Envelheço, e envergonhado; Nem sei quem foi Lopes Chaves; Mamãe! Me dá essa lua; Ser esquecido e ignorado; Como esses nomes de rua".
As ruas da cidade de Patos não são feitas de nomes; elas são feitas de vísceras.
Misael Nóbrega de Sousa
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