21/02/2020 - 07:21 - Opinião
Abrindo o relicário de minha tia-avó, encontro-me com aquelas figuras que compuseram o "Corso da Rua grande". A caixa de antiguidades revela o desfile fantasmagórico de uma época sem graça. Todo carnaval é triste. As moças adornadas de fitas e lantejoulas, eram elas mesmas... - Por mais que se travestissem de suas personagens favoritas. Os corpos aprisionados naqueles esmaecidos retratos estão condenados ao estereótipo. E não há muita originalidade no quesito "imaginando ser". A cara nua é a mais autêntica das fantasias. As máscaras não escondem ninguém, apenas assombram a si mesmas. O estandarte de todos os anos representa a banalidade: "Eu me permito". As mágoas viraram marchinhas. E, os amores, fúteis. O carnaval é espelho de todo folião. Panfleto de uma extravagância desnecessária... - "Ô abre alas que eu quero passar..." Nos bailes de salões, a mesma ilusão. Eu era o dito-cujo que minha mãe quisesse... - E fui pierrô, por diversos carnavais. Não há poesia em nenhuma geração. A inocência é também fingimento. Ela nunca existiu. Insistimos nas lembranças que acreditamos ser puras. Mas, em tudo há malícia. E vemos essa “ingenuidade” dá lugar à brutalidade dos trios elétricos. Gigantes serpenteado pelas ruas de sortilégios. E atrás deles uma multidão de homens coxos. Marchamos sob a bênção do “permitido”. Não há recompensa que valha o esforço. E se antes eu não queria enxergar... – Não era ingenuidade, mas ignorância. Os monstros são os mesmos, não são?.
O carnaval é uma festa sem sentido: existe apenas para nos dizer o quanto somos ridículos. Da mesma forma que há miscigenação no carnaval, há falsos moralismos. Em todas as modinhas, o sexismo, a homofobia, o preconceito, a intolerância. O carnaval é o triunfo do anonimato, onde o belo é uma caricatura de lição apócrifa. Vejo alguém mijando no meio da rua. É a embriaguez da vida. Vida de adereços-cinza. "Oh, quarta-feira ingrata, chegou tão depressa só pra contrariar..."
Como é hipócrita o carnaval. Somos induzidos às danças pornográficas encenadas à exaustão das idades. O carnaval imprime uma consciência às avessas, idiotizando-nos o quanto pode. E quando cai essa máscara a realidade nos diz mais feios. Esses estandartes são mesmo apólogos do tempo: uma alegria ao contrário... - E a vida desconsidera a passagem dos blocos. O carnaval não se sustenta em nenhuma cultura. Ele reparte a carne do espírito. Já os pecados... – Pertencem às suas épocas não aos foliões. O carnaval não se reinventou. Como o julgar, portanto? Não crio polêmica; renovo as ilusões.
Misael Nóbrega de Sousa
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